Eclipse

O sol nascia no horizonte, passando por entre as folhas dos pinheiros, preenchendo as ruas da pequena aldeia com a sua luz. Um dos seus raios caiu nos olhos de uma jovem que dormia calmamente no seu quarto, o seu nome?
 Ivy Conner.
-BOM DIA!
 Ivy levantou-se alegremente, tinha a pele clara, coberta de sardas, cabelos compridos e ruivos e os olhos vermelhos como sangue. Vestiu a sua roupa do dia-à-dia, umas calças verde musgo, umas botas castanhas altas e uma camisa encarnada, amarrou o seu cabelo e desceu para o andar de baixo da sua casa, onde a sua família já se encontrava acordada.
-Ivy! -Gritou um rapazinho alegre na sua direção. Ele correu e abraçou-a fortemente.
-Olá, Cole!- ela pegou no seu irmão mais novo e retribui o abraço - Estás a ficar pesado!
-Tu é que estás a ficar fraca!
-Ai é?
-É!
-Então toma esta!
Ivy deitou Cole ao chão e começou a fazer-lhe cócegas, o que iniciou uma grande guerra cheia de risos, até um homem aparecer na frente deles.
-Meninos, chega. - O pai aproxima-se e sussurra-lhes - Senão a vossa mãe chateia-se.
-Ricardo! -Berrou a mãe da outra divisão 
-Eles estão a caminho! Vão depressa, senão quem paga sou eu.
Os irmãos vão até à sua mãe, que lhes entrega os pães acabados de fazer, e um copo de leite.
-Comam depressa. - Avisou a mãe - Ivy, tens de te despachar, vais chegar atrasada!
-Sim, mãe… - Ivy revirou os olhos e voltou a comer rapidamente 
-Cuidado para não te engasgares! Se acontecer, ficas a saber que ficas lá fora até os abutres virem, não quero a casa a cheirar a morto! - Uma velha senhorinha reclamava na sua cadeira enquanto tricotava.
E tal como a avozinha disse, a Ivy engasgou-se e teve de ter ajuda para retirar o pedaço de pão da garganta.
-Eu avisei.
-Ivy! Despacha-te, as pessoas já estão a começar os preparativos! - Disse a mãe nervosa, tirando o resto do pequeno almoço dela, que nem tinha terminado.
Ivy levantou-se rapidamente e correu para a porta de casa.
-Até logo, família, adoro-vos!
-Onde é que pensas que vais?! - Chamou a avozinha. Com o dedo indicador apontou para a sua bochecha.
-Avó, estou com pressa. A Marta e o Henry estão à minha espera!
-Vem cá imediatamente e dá um beijinho à tua avó, minha menina.
A neta beija a avó na bochecha com doçura e o irmão agarram-se a ela pela perna.
-Posso ir contigo? - Perguntou com olhos suplicantes
-Não podes, Cole, quando fores mais velho, vais poder vir e ajudar no festival. Até lá, ajuda a avó com a comida - aproxima-se e sussurra-lhe - e garante que eu e os meus amigos temos a nossa comida reservada.
-Claro, mana. Até logo, e não arranjes problemas!
-Não vou. - Responde já na porta de casa - Vejo-vos no festival!

 A aldeia estava a ser toda decorada com flores amarelas, luzes brilhantes e o cheiro da comida já pairava no ar. Este festival chama-se: “O festival do eclipse híbrido”.
Nesta noite, a luz do sol e as sombras da lua iriam unir-se e criar um brilho que seria capaz de cegar aqueles que olhassem. O festival consiste em desejar ao sol que abençoe a terra e que traga a alegria e força ao mundo e à lua que traga estabilidade e calma. É algo muito importante que existe há séculos e que não pode ser interrompido por nada. Apenas aconteceu uma vez, mas nunca mais foi interrompido.
Este é o festival favorito de Ivy. Tem a melhor decoração, comida e ambiente, na sua opinião. Mas claro, também é o seu aniversário! Hoje ela faz 13 anos! Talvez se perguntem o porquê da família dela não lhe ter dado os parabéns, mas é porque Ivy só comemora o seu aniversário no dia seguinte, por causa que, mais uma vez, NADA interrompe o festival do eclipse híbrido.
Ivy nunca se importou com nada disso. Apesar da sua família não comemorar o seu aniversário nesse dia, os seus melhores amigos, Marta e Henry, ignoravam completamente toda a gente e todo o festival, apenas para dar a Ivy o melhor aniversário de todos! O que, claro, os colocava sempre em problemas.
Apesar do seu aniversário nunca ter sido uma questão para Ivy, algo em sialgo sempre a incomodou, foi a sua diferença entre si e os seus familiares. Ivy era ruiva, com sardas e olhos vermelhos, já a sua família tinha a pele morena, cabelos escuros e olhos castanhos. E não era só a ela que lhe incomodava essa diferença, como a todos na aldeia. Por onde quer que andasse, Ivy recebia de todos olhares de desprezo. Quando não era ignorada por todos... Os únicos na aldeia que lhe deram uma chance, foram os seus melhores amigos…
-Olá, Ivy! Parabéns!
Ela saltou com o susto e quando olhou para trás, lá estavam eles, Henry e Marta. Henry era um rapaz loiro, animado e o segundo que mais se metia em sarilhos, ficando apenas atrás de Ivy, e ao lado dela, de braços cruzados, Marta, uma rapariga com a pele mais escura que Henry e a família Conner, cabelo curto, de personalidade forte, e a que defendia o grupo das pessoas maldosas.
-Parabéns, Ivy.
-Olá, malta! Obrigada! Prontos para arrasar nas decorações?
-Podes crer que sim! A minha mãe já está com a comida pronta em casa, e nem me deixa experimentar nada!
-Que tortura! A minha avó preparou doces incríveis, mas escondeu-os depois de eu e do Cole tentarmos comer alguns.
-Vocês não conseguem mesmo controlar a vossa gula! - Reclamou Marta
-Dizes isso, mas sei que também estás ansiosa pelos doces de geleia da minha mãe. - Respondeu Henry, baixando-se para Ivy subir para as suas costas 
-Ou talvez das empanadas de frango e queijo da minha avó. - Acrescentou Ivy
-Calem-se.
Marta escondeu o seu rosto com as bochechas encarnadas e empurrou-os, fazendo-os cair desequilibrados.

Eles caminharam pela aldeia por um bocado, observando as barracas quase prontas nas frentes das casas.
-Este festival vai ser demais! -exclamou Henry
-Dizes isso todos os anos. - Apontou Marta 
-Sim, mas este ano a minha mãe esteve a aperfeiçoar os pãezinhos de mel e geleia de rosa, e estão uma delícia!
-Pensei que ela não te deixava comer. 
-Deixou na primeira vez. Ela precisava de uma cobaia. E foram completamente aprovados!
Ivy ria ao ver a discussão dos dois amigos, mas uma inquietação tocou-lhe no ombro. Virando-se para trás, uma raposa vermelha observava-a curiosa. A energia dela flutuava pelo ar. Os seus olhos congelavam Ivy no seu lugar. O mundo tinha parado. Todas as pessoas da aldeia desapareceram. Ela deu um passo na direção da raposa, mas ela tinha desaparecido, tudo tinha voltado a mexer-se. 
-Ivy! 
Marta sacudiu-a levemente, tentando despertar a amiga.
-Estás bem? -Perguntou preocupada
-Eu… - Ivy tentou estabelecer se tinha regressado, mas quando olhou para os seus amigos tudo se acalmou - Sim! Estou ótima!
-Tens a certeza? Parece que viste um fantasma. - Comentou Henry
-Eu estou bem! - Respondeu alegremente, agarrou nas mãos dos amigos e começou a puxá-los - Vá, as barracas não se vão montar sozinhas!

Juntos, montaram a barraca da avó de Ivy, onde ela venderia os seus pratos, juntamente com os netos. A barraca era decorada com bordados feitos com sóis e luas feitos pela própria matriarca. 
Na sua infância, a avó contou-lhe a história dos bordados.
“Quando era pequenina, a minha mãe contava-me a história do Sol e da Lua, uma história sobre os dois astros que se amavam, mas os povos que os veneravam, lutavam em guerras sangrentas. Os humanos dividiram-se em grupos , cada um acreditava em apenas um astro, onde nessas guerras apenas um lado poderia prevalecer, mas a guerra não tinha fim, quando um lado perdia, voltavam para a destruição do outro. Os astros, ao ver esse massacre, intervieram, mas Lua foi morta, o que deixou Sol numa grande tristeza. Nesse momento, ambos os astros sucumbiram à escuridão e desapareceram.
-Mas… Acabou assim? Não pode acabar assim! -exclamou a pequena Ivy
A avó sorriu e respondeu. - Ninguém sabe ao certo o que aconteceu a seguir, mas há quem diga que um grande raio surgiu no céu e uma explosão de luz espalhou-se no mundo, cegando todos aqueles que olharam para ela
-Ei, Ivy! - Chamou Henry, acordando Ivy das suas recordações - Podes ir buscar algumas flores, estamos a ficar sem!
-A caminho!
Ivy pegou numa cesta e caminhou pelas ruas em direção ao portão da aldeia. No caminho, barulhos perseguiam-na e parecia que algo a observava a cada passo. Quando se virou, lá estava a raposa novamente, de alguma forma ,que Ivy não entendeu, parecia que a raposa queria que ela a seguisse. O animal correu pela aldeia, esgueirando-se pelas sombras e pelos pés das pessoas, ela movia-se como se fosse uma sombra. Ninguém a parecia ver para além de Ivy, era como se conseguisse passar por entre as brechas das casas, e saltar tão alto que facilmente subia para os telhados. Ivy passou pelos portões da aldeia e correu pelos prados atrás da raposa. Ela saltava pela relva e corria às voltas de Ivy, levando-a até à floresta, onde fazia ziguezagues pelas árvores e arbustos. Saltou pelas pedras e subiu para o topo de uma árvore, desaparecendo na vegetação. 
Ivy ofegante, sentou-se na beira da árvore. Os seus olhos abriram-se e a uns metros de si, um arbusto com flores amarelas brilhantes chamavam por ela. Ela levantou-se e começou a colher as flores e a colocá-las na sua cesta. De repente, no centro do arbusto um brilho muito forte surgiu. Afastando as folhas e flores da sua frente, um ovo com a superfície vulcânica, emanava um forte brilho e calor. Receosa, Ivy aproximou-se do ovo, pegando-o nas suas mãos, e por muito quente que aparentasse ser, apenas aquecia as palmas das suas mãos.
Parecia que todo o mundo se tinha tornado brilhante, Ivy flutuava num espaço dourado e reconfortante. Aproximou o ovo de si e abraçou-o. De alguma forma, estavam conectados. Fazia-lhe lembrar a sensação de pegar o seu irmão nos braços pela primeira vez.

Até que tudo acabou.
Quando os seus olhos se abriram, tudo tinha desaparecido, e um espesso nevoeiro começou a rodeá-la.
-Está aí alguém?! - Ela gritou, mas o eco foi a sua resposta - Marta! Henry!
Uma estacada atingiu a sua cabeça. De repente, vozes começaram a ecoar na sua cabeça. Ivy não entendia o que elas diziam, mas pareciam-lhe coisas más, coisas que a magoavam. - Mãe! Pai!
Os seus berros eram abafados pelas vozes, que aumentavam e ficavam cada vez mais altas. 
-Avó! Cole!
Os seus olhos começaram a arder como fogo. Sentia que ficaria cega ou que morreria naquele mesmo momento. Lágrimas de dor e desespero escorreram pelo seu rosto, mas o ardor dos seus olhos não desaparecia. 
-Alguém! Por favor!
As vozes aumentavam e aumentavam... As suas dores cresciam. As suas lágrimas eram como cinzas, marcas da sua dor e do fogo que a queimava.
“Deixa-me sair!”
Uma voz, mais alta que todas aquelas que lhe ecoavam, gritava e batia na cabeça de Ivy, fazendo-a doer cada vez mais. 
”Liberta-me!”
Ivy encolheu-se no chão, a dor estava a consumi-la, as vozes não paravam, criaturas no estado de vapor preto rodearam-na e continuaram com os seus gritos e ataques. Ela queria que aquilo parasse, desejava que os seus amigos ou a sua família aparecessem para afastar as vozes. Com o desejo que tudo terminasse e a determinação de voltar para a sua família, cerrou os punhos com dor, engoliu o seu choro, limpou a garganta, sentiu o seu cabelo a arder, mas não de uma maneira dolorosa. O cabelo ergueu-se no ar como uma tocha, afastou o fogo dos olhos, substituindo-o por uma luz brilhante e dourada. As sombras, as vozes que lhe gritavam, estavam cegos pela luz que ela emanava. Estendeu a sua mão para elas e disse firmemente: 
-Chega!
A luz engoliu as sombras e as vozes, afastando todas as sombras. O fogo ,que antes a magoava, agora era a arma que usava para se defender das criaturas, deixando apenas como restos as duas cinzas.
Elas desapareceram, juntamente com a luz.
Os olhos de Ivy fecharam-se lentamente, e ela caiu no solo da floresta. 

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