Diário de Grace parte.10

Desde a festa de Halloween, muita coisa aconteceu, algumas boas, outra más. 
Começando pelas boas, a Nina começou a falar mais com outros alunos. Acho que quando ela subiu ao palco a fingir ser o detetive ela libertou-se, até inscreveu-se no clube de teatro! Tem sido bom vê-la num círculo de pessoas com quem partilhava interesses e não se sentia uma sombra no meio de todos.
A minha mãe adorou as fotografias da festa e pendurou-as no frigorífico. 
A Menzi, a Nina e a o professor de artes sugeriram que eu criasse uma conta no Instagram para partilhar os meus designs, mas eu recusei.
Eu adoro moda e adoro desenhar, mas quero manter isso para mim por agora e, para ser sincera, tenho medo. Tenho medo das pessoas me julgarem e que o que eu faço não seja bom o suficiente. A ideia das pessoas poderem ver uma parte tão pessoal e sensível de mim mesma é aterradora, sempre que penso nessa possibilidade, só me consigo lembrar da vez em que me empurraram para o chão, derramaram-me água por cima de mim e do meu antigo caderno de desenho e rasgaram-no todo.
Eu tive aquele caderno desde os meus seis anos, a minha mãe deu-mo no meu aniversário e eu andava com ele para todo o lado. Era o meu lugar seguro, um espaço onde podia desaparecer do mundo real e ser uma versão completamente diferente de mim mesma. Foi naquele caderno que me desenhei como queria ser, que criei a pessoa que almejava tornar-me, onde essa versão poderia existir e viver feliz. Mas quando eles o rasgaram, eu não fiz nada, eu só fiquei parada a olhar enquanto o deitavam ao lixo. Quando despedaçaram-no foi como se tivessem pegado naquela minha versão, no meu mundo, e dito "Nós temos poder sobre ti e sobre a tua vida. Não és nada para além de sonhos e fantasias. És apenas lixo. Isto é apenas a expectativa de te tornares em algo que corres para ser". 
Quando voltei para casa, fechei-me no quarto e chorei, arranhei-me até a minha pele ficar vermelha. "Nunca vou ser uma rapariga. Nunca vou ser artista. Nunca vou ser livre. Nunca serei alguma coisa a não ser sonhos e fantasias. Nunca serei eu" "Vou sempre ser apenas eu. Vou sempre ser apenas uma sombra daquilo que quero ser. Vou sempre procurar o paraíso e nunca vivê-lo. Vou sempre viver nesta prisão".
Afundei-me naqueles pensamentos e acreditei neles durante tanto tempo, que comecei a achar que eram verdade. Às vezes, ainda penso, mas cada vez menos. Tento lembrar-me a mim mesma de que não estou sozinha. Que tenho família e amigos Que não tenho fios presos aos meus membros a serem controlados pelos outros. Que cortei esses fios e agora estou livre. 
Pensei que tinha de fazer o que me sugeriram, que tinha de mostrar a minha arte, pois se não o fizesse, deixaria os meus medos controlarem-me. Mas não. Não tenho. Eu não quero partilhar a minha arte, não agora. Não pelos meus medos, mas porque não estou pronta. E... Está tudo bem. Porque eu sinto-me mais leve por decidir o que fazer com a minha arte do que me sentiria por fazê-lo pelo controlo dos meus medos. 
Talvez a moda se torne algo ainda maior na minha vida, pelo menos, neste momento, é, mas é meu e não quero partilhar com o mundo.
Contei isso à Menzi e ela só sorriu e disse:
-Está bem! Vai no teu tempo.
Sorri e voltei a concentrar-me nos meus livros de preparação para exame.
-Já agora.-Ela continuou -Podes ajudar-me em matemática?
-Não sou lá muito boa.
-Tenho a certeza que és melhor do que eu. -respondeu enquanto se sentava mais perto de mim 
Enquanto ela tentava resolver um exercício com uma cara de que parecia estar a ser torturada, eu encostei-me a ela e agradeci-lhe.
-Hã? Pelo quê?
-Por tudo. -Respondi
Ela olhou para mim confusa e depois abaixou a cabeça com um sorriso triste. 
-Eu é que te agradeço. És tão forte. Enfrentas tanta coisa e estás sempre aqui para mim. -Levantou a cabeça e sorriu com os olhos marejados -Tu inspiras-me, Gracy.
Demorei para responder, as palavras ficaram presas e a minha visão começou a ficar embançada. Antes que conseguisse dizer qualquer coisa, ela abraçou-me com força e, pela primeira vez, eu correspondi sem hesitação.
Amanhã vou com a Nina e a Menzi a um café que a Nina disse ser o melhor café de todos. A biblioteca e as salas de estudo estão sempre cheias devido aos exames e a Nina queria mesmo ir àquele café.
Então é isso. Até amanhã.




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