Diário de Grace parte.2

 No dia seguinte acordei , abri o meu guarda-roupa e vi um uniforme. Ele era constituído por uma camisa branca , um laço cinzento e preto para usarmos ao pescoço , uns sapatos pretos , um blazer cinzento e uma saia calção com o mesmo padrão do laço. Fui para a casa-de-banho do nosso quarto e vesti o uniforme , olhei-me no espelho e senti-me... horrível. Senti-me péssima então vesti uma meia calça por baixo da saia. Não fazia lá grande diferença mas fez-me sentir ligeiramente melhor. Um tempo depois a minha colega de quarto acordou.

-Bom dia... -cumprimentou ela com um ar sonolento

Ela levantou-se. Aqui entre nós parecia mais para lá do que para cá. Como é que um aluno mais velho do que eu e que muito provavelmente está aqui à mais tempo ainda pode acordar desta maneira?

-Como é que já estás acordada? Temos aulas exatamente ao mesmo tempo. -perguntou ela

Limitei-me a olhar para ela e a desviar de seguida.

-Não falas muito , pois não?-ela olhou-me com um ar presunçoso mas ao mesmo tempo de comédia 

Ela era... confusa.

-Oh!-Ela olhou para mim espantada- O uniforme fica-te bem!

Como é que ela só reparou agora?

Dirigiu-se para a casa-de-banho para se arranjar. Ela demorava séculos "Está entalada na roupa só pode" pensei eu. Já me estava a dirigir para a porta quando ela apareceu.

-Espera! Estou aqui!

Ela abriu a porta e saiu.

-Estão? Vamos? -ela olhou-me com exatamente a mesma energia de ontem

Virou as costas e começou a andar pelo corredor. Apenas suspirei , aquela miúda era cansativa , comecei a andar calmamente. Ela colocou-se ao meu lado.

-Pronta para o primeiro dia?

Não lhe respondi e continuei a andar.

-Percebo que estejas nervosa. Qualquer um ficaria no teu lugar. Que dizer...uma escola nova , com novas pessoas e longe de casa!

Uau sinto-me muito melhor com as palavras dela.

-Estás bem?-perguntou ela

-Claro. -respondi

-Uau afinal não és muda.

Não lhe disse nada.

-Queres ir tomar o pequeno-almoço? -perguntou ela -Podemos ir buscar alguma coisa ao bar se quiseres.

-Não obrigada.

-Tens a certeza? O pequeno-almoço é importante. Dá-te energia para o dia todo.

-Não. Penso que tu tens energia que chegue para as duas.

-Obrigada!

Acho que ela não entendeu.

-Se tu não vais eu também não vou. -disse ela olhando para mim com um sorriso

-Não é necessário. Podes ir tu.

-Não vale a pena. Também acordei tarde nem sequer teria tempo. Eu como depois. E também não te preocupes não te vou deixar sozinha aqui. Vou estar sempre ao teu lado.

Não respondi e continuámos a andar. A minha preocupação não era que ela não me deixasse sozinha mas pronto. Com as palavras dela a ecoar na minha cabeça "E também não te preocupes não te vou deixar sozinha aqui. Vou estar sempre ao teu lado." só consegui pensar:

Alguém me tire daqui.

Um tempo depois chegámos à aula. A Melissa entrou mas o professor disse-me para eu esperar do lado de fora. De fora da sala conseguia ouvi-lo a falar.

-Hoje iremos receber uma nova aluna. É possível que já a tenham visto a andar pela escola.

Os murmúrios começaram. "Quem? Será que é aquela miúda de ontem? Ouvi dizer que ela fugiu das pessoas!".

-Já podes entrar.

Entrei na sala de cabeça baixa e conseguia ouvir ainda melhor os outros a falar. "É ela! Ela está bem? Parece triste. Ela é bonita. Achas? Tu não? Parece um pouco estranha.".

-Podes apresentar-te. -disse o professor

-Grace...-respondo num tom baixo sem olhar para a turma

-Fala mais alto!-disse um dos alunos

Todos se riram.

-Estou a ver que és tímida vamos tentar resolver isso com o tempo. Alguém quer fazer alguma pergunta à Grace?

-Eu quero!-a Melissa levantou a mão

-Podes dizer. -respondeu o professor

-Como te sentes aqui?-perguntou ela

Limitei-me a encolher os ombros.

-Vá lá , Grace , responde. Não deixes a colega sem uma resposta. -olhou-me o professor com um sorriso

"Anda lá." , "Não é difícil." , "Ela só perguntou como te sentes" disseram eles.

-Normal... Obrigado. -respondi com os olhos no chão

-Muito bem , Grace , podes sentar-te. -o professor apontou para o meio da sala -Tem ali um lugar que te podes sentar.

-Claro.

Dirigi-me para o meu lugar e senti todos os olhos virados para mim. Outra vez não... Por favor tirem-me daqui.

-Muito bem já que já conheceram a vossa colega podemos continuar com a aula. -o professor levantou-se e começou a escrever no quadro

Um tempo depois um papel veio parar à minha mesa. Abri-o e tinha lá escrito:

Oii estás bem?? Não parecias. Se quiseres podemos ir ao bar no intervalo ou assim ler um livro o que quiseres. -Menzi

Dobrei o papel , guardei-o no estojo e continuei a aula normalmente. No final da aula o professor despediu-se , saiu da sala e alunos vieram ter à minha mesa.

"Porque é que ficaste assim há pouco?" , "Foi um exagero , a pergunta dela não era assim nada demais." , "De onde vens?" , "Estás triste?" , "Estavas a falar mesmo baixo. Tens de falar mais alto não dava para ouvir nada do que dizias." , "Passa-se alguma coisa contigo?" , "Estás bem?". Diziam todos. Não respondi absolutamente nada a ninguém e continuei a olhar para a minha mesa em silêncio a ouvir as perguntas deles e a sentir o calor que tantos corpos transmitiam , a pressão que me causava , a sombra que eles faziam sobre mim.

Devia ter-lhes respondido alguma coisa ou ter dito para pararem e saírem de tão perto ou simplesmente...ter ido embora. Mas não tinha mal já estava habituada a tantas perguntas , a tanta sombra a tudo...

Ia-me levantar para sair dali , mas antes alguém mete-se no meio das pessoas e começa a dizer:

-Muito bem malta já chega não acham? Deixem-na respirar um bocado por amor de Deus.

Era a Melissa.

-Só estávamos a falar com ela mais nada. -disse um rapaz

-Exato , não exageres. -respondeu outro

-Mas ela claramente não está confortável com tanta gente por isso... desapareçam. -ela falou aquilo num tom estranho como se estivesse chateada mas ao mesmo tempo séria , muito estranho

Ela inclinou-se para mim com um sorriso e disse:

-Tu e eu combinámos de ir comer qualquer certo? Que me dizes? Deixa-los aqui , não lhes tens de responder se não quiseres.

-Vocês as duas estão a exagerar. Vocês miúdas também fazem drama de qualquer coisa. Parem de ser doidas. -disse um rapaz

-Chama-me de doida outra vez. Vai. Desafio-te. -ela olhou de canto para ele com um ar meio... ameaçador?

Ele afastou-se.

-Bem me pareceu. Então , Grace , vamos?

Nesse momento levantei-me sem olhar para trás. Não me queria meter em sarilhos e obviamente aquela miúda atraía-os. 

Fui para a casa-de-banho para lavar a cara.

Lavei-a e olhei-me ao espelho. No meu reflexo só conseguia ver-me com o cabelo molhado , os olhos cansados e um monte de sombras à minha volta. A olhar para mim com um sorriso de troça e a riem-se da minha figura. Parecia que estava tudo a escurecer até que alguém me toca no ombro.

-Grace! 

Era a Melissa novamente.

-Estás bem?! O que se passa?!

Não lhe respondi.

-O que viste no espelho?

Ela olha para o espelho , curiosa.

-Se viste algum espírito saímos já daqui. Se quisesse ver isso ia assistir caça-fantasmas.

-Não .

-Ainda bem. Está tudo bem contigo? Desculpa , tanta confusão , deves ter-te sentido tão pressionada. Desculpa...

Ela pousa as mãos nos ombros.

-Mas não vamos desanimar , certo? Anda cá.

Ela vira-me para o espelho.

-Tu és absolutamente espantosa. E não ligues ao que os outros dizem. O teu cabelo é lindo , quem me dera ter um assim e não tens nada que falar mais alto , os que ouviram bom para eles e os que não , limpem os ouvidos. Sinceramente , gosto da tua voz é calma , e relaxa-me. É melhor assim do que andares a chatear toda a gente. E tira-me esse cabelo da frente da tua cara! Tens que mostrar ao mundo como és bonita.

Ela coloca-me o cabelo atrás das orelhas e sorri. Olhei para o espelho e não consegui ver nada daquilo que ela disse. Afastei-me dela e ela sorriu.

-Vamos para a aula? -perguntou ela

 Coloquei o cabelo novamente à frente das orelhas e saí da casa-de-banho sem lhe dizer uma palavra. No almoço , claro , ela tinha de me seguir.

-Queres sentar-te onde? Estão ali uns miúdos que eu conheço podemos sentar-nos com eles.

Não lhe respondi e fui para uma mesa a um canto. E ela seguiu-me... Deem-me um minuto de paz desta miúda por amor de Deus.

-Então como está a correr o dia? -pergunta ela

-Não tens de estar aqui. Vai lá ter com os teus amigos.

-É o que eu estou a fazer.

Ela sorriu-me. Ela nunca se cansa? Já lhe deve doer a boca de tanto sorrir.

-Tens algum animal? -pergunta ela novamente

-Porque?

-Só porque sim. Então... Tens algum animal?

-Um cão. -respondi

-Boa! Eu tenho um gato. Bem... Não é tecnicamente meu ,mas mora comigo. E tu moras com quem?-responde ela com entusiasmo

-Com a minha mãe.

-Tens irmãos?

-Não.

-Eu também não. De onde vens? Eu venho de Itália. Passo os fins-de-semana aqui e nas férias vou para lá. E tu? Da dove vieni?

Não respondi.

-És de cá? -perguntou ela

-Sim. -respondi

-Encreible! Escolheste espanhol ou francês?

-Francês.

-Asserio? Eu escolhi espanhol. Ho i migliori voti al liceo.

Fiquei em silêncio.

-Parei. Mas então o que gostas de fazer no tempo livre? -perguntou ela

Encolhi os ombros.

-Eu cá gosto de ler BD. È fantastico! E parlare spagnolo è liberatorio. Mi fa sentire a casa. La brezza marina, le passeggiate sulla spiaggia e il sapore del cibo di Rosa sono così buoni! La sensazione di essere a casa è la migliore, non è vero, ragazza? -disse ela em italiano 

Ela já nem parecia estar aqui , era como se estivesse perdida nos seus pensamentos.

-Mas então e tu? Também deves ter ótimas memórias de casa. -disse ela ao se concentrar novamente

Preferia quando estava com a cabeça nas nuvens pelo menos aí não fazia tantas perguntas e só se concentrava nos pensamentos dela. Não me vinha nada. Nada a não ser risos na minha cara , sombra , medo... Nada a não ser isso. Apenas encolhi os ombros.

-Vá lá. Qualquer coisa. Diz-me um sítio que adoras em casa. -insistiu ela

-A minha casa. -respondi

-Mais qualquer coisa. Na tua cidade ou assim.

-Um café de lá.

-Parece-me bom , e que mais? -perguntou ela

-O parque talvez...

-Que fixe.

Fiquei em silêncio.

-Tens saudades? -perguntou

Encolhi os ombros.

-Interessante. -disse ela

Um tempo depois saí do refeitório e ela seguiu-me.

-Não me vais mesmo deixar pois não? -perguntei , sem olhar para ela

-Não. Queres fazer o que? Pátio?

Não respondi nada e continuei a andar.

-Onde vamos? -perguntou ela

Seria mais onde EU ia mas pronto. Esta miúda parece uma lapa. Daqui a pouco está a seguir-me para a casa-de-banho. Apesar de já o fez , mas pronto. Um tempo depois cheguei à biblioteca. E sim a Melissa também me seguiu para aí. 

-Tens razão. Onde é que eu tinha a cabeça?! Biblioteca! 

Entrei e a Melissa já cumprimentou a bibliotecária. Sentei-me e ela sentou-se à minha frente. Finalmente um local onde as pessoas estão em silêncio e não perturbam ninguém. Pelo menos...era o que eu achava.

-Já entendi é disto que tu gostas. Silêncio , calma e um bom livro.

-Sim. Silêncio. -disse olhando para ela sem expressão

-Ok. Sim sim. SHIU. Silêncio que ela quer ler um livro em paz e sossego. -sussurrou ela

Olhei para o meu livro por uns segundos e logo depois senti alguém a olhar para mim.

-Esse livro é sobre quê? -perguntou ela

-Não interessa. 

Ela fica a olhar para ele.

-Hmmm... Vou procurar um para mim.

Ela saiu e uns segundos depois apareceu com dois livros.

-Nem sabes o que eu encontrei! -disse ela com entusiasmo

Não respondi e só olhei para ela. Já me estava a irritar tanto barulho.

-Desculpa. -sussurra ela- Encontrei Tio Patinhas e diário de um banana. Eu fartava-me de ler isto em miúda. Não sabia que tinha BD na biblioteca.

Ela encostou-se a uma cadeira e ficou a ler durante algum tempo. Mas claro...ela não podia ficar quieta muito mais que cinco minutos. A não ser que estivesse morta claro , mas acho que mesmo aí estaria a dar voltas no túmulo. Ela começa a rasgar uma barra de cereais.

-Não se pode comer aqui dentro. -avisei seriamente

-Desculpa. -respondeu ela enquanto guardava a barra -Gostas do Tio Patinhas?

Encolhi os ombros.

-Acredita em mim tens de dar uma oportunidade , ou gostas de outro tipo de livro?

Não respondi.

-Ok. Tu tens cara de quem gosta de fantasia. Eu gosto mas prefiro BD.

Um tempo depois levantei-me e saí da biblioteca.

-Eu já vou ter contigo tenho só de fazer uma coisa antes. -disse ela enquanto se dirigia outra vez para a biblioteca

Fui para o quarto e sentei-me na cama para verificar os TPC. Tive sorte que não mandaram nenhuns. Meia-hora depois a Melissa entrou no quarto.

-Olá- disse ela com um tom animado

Ficou a olhar-me com uma grande energia.

Estranha.

-Então... Jantar? -ela dirigiu-se até à porta e esperou-me lá

O jantar foi normal. Ela parecia esfomeada. Também o dia todo de um lado para o outro sem parar deve cansar mesmo. Um aluno mais velho aproximou-se de mim e disse:

-És a Grace Wilson certo?

-Sim. -respondi

-O diretor quer ver-te.

-Ok. -levantei-me

-Boa sorte. -disse a Melissa

Fui e bati à porta da sala do diretor.

-"Pode entrar."

Entrei.

-Podes sentar-te , Grace. -disse ele apontando para uma cadeira em frente da sua secretária

Sentei-me em silêncio.

-Então? Como foi o primeiro dia? -perguntou ele

-Normal.

-Correu tudo bem?

-Sim.

-Um dos professores contou-me que parecias meio nervosa durante a tua apresentação. 

-Apenas não gosto de falar em público. Mais nada.

-De certeza?

-Sim...-fiz uma curta pausa -De certeza.

-Está bem então. Se precisares de ajuda já sabes que tens sempre pessoas à tua volta para te auxiliar. 

-Claro...

-Já podes ir. Tem uma boa noite.

-Obrigado. Para o senhor também.

Levantei-me da cadeira e saí do gabinete.

 Voltei para o quarto e fui para a casa-de-banho me trocar. Estava a escovar os dentes quando a Melissa bateu à porta.

-"Posso entrar?" -perguntou ela do outro lado da porta

Cuspi a pasta e respondi:

-Sim.

Ela entrou.

-Não tens nenhuma rotina de noite? -perguntou ela

Não respondi

-Ok. Cada um as sua manias. -respondeu ela

Saí da casa-de-banho e sentei-me na cama. A Melissa saiu e deitou-se. Tirei o meu livro e a Melissa exaltou-se e disse:

-Pois é eu tinha um presente para ti!

Ela levantou-se e estendeu-me um livro.

-Espero que gostes. -disse ela

Agarrei-o e era o segundo livro do que eu estava a ler. 

-Eu vi que estavas a ler esse livro e pensei que poderias querer o segundo. Espero que gostes considera isto um presente de boas vindas.

Não respondi.

-O que achas-te?

Suspirei.

-Obrigada. Mas não era preciso.

-Mas eu quis dar-to. Agora ficas com ele quer queiras quer não. E avisa-me quando o acabares de ler que eu tenho de o devolver à biblioteca.

Peguei no livro e pousei-o na mesa de cabeceira perto da minha cama. A Melissa sorriu-me e deitou-se na cama dela. Um tempo depois ela foi dormir.

-Boa noite... -disse ela sonolenta

Minutos depois de ela (finalmente) adormecer , peguei num caderno e fui para a janela observar a noite.

O dia foi cansativo. Se o primeiro já foi assim nem quero imaginar os próximos.

 Alguém me salve!...


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