Eclipse parte.3
A luz que os cegaria aproximava-se a toda a velocidade, engolindo tudo numa luz branca por onde passava. As lágrimas e o suor escorria pela pele de todos, a garganta de Ivy doía de tanto berrar por Ashes, mas a sua fúria apenas aumentava cada vez mais, pronto para atacar.
A raposa saltou para cima deles, cobrindo-os da luz do eclipse e antes que a bola de fogo pudesse atingir o Caleb, uma figura encapuzada protege-os aos dois com o seu manto.
Segundos depois, o eclipse tinha terminado. A raposa afastou-se dos amigos e pulou para a figura, que pegou em Ashes, agora na sua forma de salamandra. O pequeno estava desmaiado, sem energia, e Caleb inconsciente no chão devido ao choque.
-Ashes!
Ivy foi aos tropeções até à figura e tirou-o das suas mãos, observando-o em choque, as lágrimas caíam e evaporavam na sua pele vulcânica.
-Eu peço imensa desculpa, Ashes… -soluçou, deixando-se cair de joelhos em lágrimas
Henry e Marta aproximaram-se, acolhendo a amiga nos seus braços.
-Ele vai ficar bem. -Diz a figura, eles olham para ela espantados -Apenas vai precisar de algum descanso. -vira-se para Ivy, retirando o seu capuz e revelando a sua face, uma mulher de idade, cabelo grisalho e…olhos cor de sangue -Mantém-no perto de ti, ele morrerá se não o fizeres.
Nenhuma palavra lhe consegue sair da garganta, então ela apenas concordou com a cabeça.
-Quem és tu? -Pergunta Marta desconfiada -Como é que sabias que estávamos aqui? O que sabes sobre esta coisa?
A figura não responde, apenas espreita para fora do beco, garantindo que ninguém estava há vista, então ela diz para a raposa:
-Leva esta criança até à sua família.
Ela acenta, transforma-se num fumo vermelho e leva Caleb consigo. A figura vira-se para os três e continua:
-Vocês, venham, vou levar-vos a casa.
Ela começa a andar e eles seguem-na, ajudando Ivy a aguentar-se em pé durante todo o caminho até à sua casa.
Ao longe, a mãe Ivy olhava em volta com pânico nos seus olhos enquanto chamava pela filha.
-Mãe!
Ivy tentou correr até ela, mas antes que pudesse cair sem forças, foi salva pelos braços carinhosos da mãe, que a abraçou com força, afagando-lhe o cabelo, contendo as lágrimas de alegria ao ver a sua filha.
-Estás bem, Ivy?! Estávamos tão preocupados! -Perguntou, revirando o rosto dela à procura de ferimentos -A tua avó disse-me que não apareceste na barraca antes do eclipse, tínhamos combinado que nos reuníamos lá antes do eclipse! Onde tens andado?!
-Desculpa, mãe… Tive uns… problemas.
A mãe olhou para a Marta e Henry ao longe, chamando-os até si e escondendo-os atrás do seu corpo quando viu a senhora que os acompanhava.
-Quem é você? Nunca a vi pela aldeia. -Ela diz com seriedade
-Eles estavam perdidos, então garanti a sua segurança durante o eclipse. Apenas quis mantê-los seguros no caminho para casa.
-Agradeço-lhe profundamente. -Responde num tom mais suave, mas ainda com desconfiança -Tem alguma maneira que a possa recompensar?
-Não. -coloca o seu capuz e vira as costas -Coloque um olho nesses miúdos, eles vão arranjar muitos sarilhos. Até à próxima.
A figura desaparece na penumbra, e a mãe de Ivy agarra-os com força, caminhando para longe dali.
-Vamos levar-vos para casa, os vossos pais estão preocupadíssimos.
Voltando para casa, Ivy é recebida com um grande abraço do irmão e um tsunami de perguntas dos pais.
Ivy esconde Ashes o máximo que consegue, o suor frio a escorrer pelo corpo, respondendo, tentando esconder os tremores:
-Eu perdi-me na floresta, mas a Marta e o Henry encontraram-me e fomos para o festival…
-E porque é que não apareceram no eclipse? -Pergunta a mãe, curvando-se para si, criando uma sombra amedrontadora
-N-nós… Eu! Acabei por me perder no festival… Eles foram atrás de mim, mas quando vimos, o eclipse estava a acontecer. Então escondemo-nos.
-E quem era aquela mulher convosco?
-Ela… Ela perguntou se precisávamos de ajuda e sugeriu-nos escondemo-nos num beco durante o eclipse. Depois, ela disse que nos ía acompanhar a casa e tu apareceste.
-Nunca mais faças algo assim, Ivy. -Responde o pai
-Sabes como ficámos preocupados? -acrescenta a mãe colocando as mãos nos seus ombros -Pensávamos que te tinha acontecido alguma coisa! Tu sabes como este dia é importante, e se o interrompesse-mos mais uma vez… Sabe-se lá o que aconteceria!
-Hph! O que é que eles iam fazer-nos? Expulsar-nos da aldeia? -Resmunga a avó no início das escadas -Por eles, já o tinham feito há muito tempo.
-Mãe, eu disse-lhe para ir para o seu quarto! -Reclama o pai, tentando ajudar a sua mãe a andar
-Não sou uma criança, Ricardo. -Ela aproxima-se da Ivy e coloca-lhe a mão no rosto -Vai para o teu quarto, amanhã, conversaremos sobre isto.
-Sim, avó…
Ivy sobe para o seu quarto sobre os olhos da sua família. Entrando lá dentro, Cole estava sentado na sua cama inquieto.
-Ivy! O que aconteceu lá embaixo?! Eles puseram-te de castigo?
-Não devias estar a dormir, Cole?!
-Queria saber o que tinha acontecido… -responde de voz baixa, escondendo as lágrimas a formarem-se nos cantos dos olhos -Fiquei preocupado contigo…
Ivy senta-se ao seu lado, coloca o seu braço em volta dele e aproxima-o de si.
-Eu estou bem. Obrigada por te preocupares comigo, mas eu consigo lidar com as minhas coisas.
Ele limpa as lágrimas e levanta a cabeça.
-Posso fazer-te uma pergunta?
-Claro. O que quiseres.
-Porque é que ninguém na aldeia fala contigo?...
Ivy fica em silêncio, pensando na melhor maneira de responder a tal pergunta.
-É complicado de explicar… Mas penso que seja porque eu nasci no dia do eclipse. Tiveram de interromper o festival porque a mãe estava em trabalho de parto. No ano seguinte… Houveram tempestades, momentos de seca, as colheitas não cresciam, a terra tremia… Disseram que eu fui uma maldição por ter nascido naquele dia, e que a minha aparência reflectia isso. O meu cabelo era do fogo que queimou as colheitas durante as tempestades de raios, as minhas sardas eram as cinzas que seguiam dos fogos, e os meus olhos eram o sangue das pessoas que morreram durante esse ano caótico…
-O que é trabalho de parto? -Pergunta Cole, que parecia ter deixado de ouvir depois dessa parte
Ivy ri e despenteia-lhe o cabelo.
-Eu não te posso contar nada mesmo!
O irmão abraça-a com força e com a voz trémula diz:
-Eu adoro-te, Ivy, por favor, não deixes que ninguém te faça mal…
-Cole…Olha para mim. -Levanta o rosto do irmão e limpa-lhe as lágrimas -Eu prometo que nunca irei que nada nos magoe, vou estar aqui para ti, independentemente de tudo.
-Prometes?...
Ivy junta as suas testas e fecha os olhos, acariciando-lhe a nunca, sussurra-lhe com uma voz suave:
-Eu prometo-te. Vou estar sempre aqui.
Cole relaxa com a resposta sua resposta, sentindo como se a sua irmã lhe estivesse a fazer uma capa protetora, que afastava tudo aquilo que lhe metia medo.
Quando Ivy abriu os olhos, o irmão tinha adormecido. Deitou-o na sua cama e cobriu-o com a manta. Ivy tira Ashes do seu bolso, afagando-lhe da cabeça à cauda. Voltando o olhar para o seu irmão, com um único pensamento na sua mente:
“Será que as pessoas o tratam da mesma maneira… E se não… Um dia tratarão?...”
Mas um barulho de algo a bater na sua janela desperta-a. Pousa delicadamente Ashes ao lado do seu irmão e vai em direção à janela.
Abrindo-a, os seus amigos estavam lá embaixo com algo, claramente, escondido atrás deles.
-O que é que vocês fazem aqui?
-Por nada! Porque é que achas que precisamos de um motivo para vir a casa da nossa melhor amiga a meio da noite? -Responde Henry
-Sabes que consigo ver o que tens atrás de ti, certo?
-Bolas…
-Eu disse que ela ía ver. -Relembra Marta
-A ideia de virmos aqui foi tua. Tu é que foste bater à minha janela primeiro!
-Cala-te! -Ameaça, afastando a coloração nas suas bochechas, pega no presente embrulhado em pano e vira-se para Ivy -Consegues apanhar isto?
-Claro! Manda!
-Tenho um mau pressentimento… -murmura Henry
Marta faz pontaria, e lança o pacote, passando a poucos centímetros da cabeça de Ivy e espetando-se no chão como um prego.
-Eu avisei!
Ivy vai até ao pacote, e com muito esforço, retira aquilo do chão.
Tirando o pano, as sobrancelhas erguem-se em espanto.
-Vocês deram-me uma espada?!
-Achei que vocês gostar. -Responde Marta
-Eu adorei! Mas se os meus pais veem isto, matam-me!
-Não pensei nisso… Foi uma péssima ideia, eu levo-a de volta para a ferraria!
-Não, não! É incrível! Eu tenho só…de arranjar uma maneira de a esconder!
Ivy procura pelo quarto algum esconderijo, até que pisa numa tábua solta, levantando-a, esconde lá a espada e volta para a janela.
-Prontinho! Eles nunca vão descobrir!
Marta suspira de alívio e sorri.
-Eu disse que ela ía gostar! -Diz Henry colocando o braço em volta dos ombros dela
-Quem deu a ideia fui eu! -Responde corada
Henry ri e espreguiça-se.
-Está a ficar tarde, e eu devia estar em casa fechado no quarto.
-Eu também devia ir… Se o meu irmão descobre que estou fora de casa, vai contar ao meu pai e eu vou ter de ficar a trabalhar na ferraria durante uma semana inteira sem sair.
-Até amanhã, malta. -Diz Ivy com um sorriso
-Até amanhã, Ivy! Depois temos de começar a praticar uns golpes de espada, se as minhas mães me deixarem sair da padaria, claro…
Ivy ri e eles viram as costas.
-Tchau! -Despede-se Marta com as mãos na cabeça
Ela fecha a janela, indo até onde escondeu a espada. Pegando nela, observa-a enquanto brilha com a luz do luar, mas com o peso, desequilibrou-se e quase a deixou cair com a lâmina virada para o irmão. Com isso, voltou a escondê-la e deitou-se.
De repente, outro barulho de algo a bater na janela acordou-a. Ivy, pensando que fossem Marta e Henry novamente, olhou para a janela, mas lá, estava apenas a raposa a observá-la.
Ivy abriu a janela, mas a raposa apenas saltou para o chão e olhou para ela, na esperança que ela entendesse que queria que ela a seguisse.
Ela acentou para a raposa, vestiu a roupa do dia à dia, amarrou o cabelo, pegou na espada ,com grande esforço, e levou Ashes consigo.
Correndo agora pela floresta, a raposa continuava a fazer ziguezagues, num momento estava a correr ao lado de Ivy, noutro já estava a metros de si.
Quando ela parou, Ivy olhou em volta, enquanto a raposa corria para a escuridão dos pinheiros, aparecendo acompanhada da mulher que os tinha salvo no eclipse.
-Tu?!
Comentários
Enviar um comentário