Diário de Grace parte.9
Hoje foi um dia muito cansativo... Vem aí o Halloween e ,ao que parece, a escola faz sempre uma grande festa fantasia. Não gosto de festas, é muita confusão, mas a Melissa arranjou uma maneira de eu me envolver nisso, colocando-me como parte da equipa de organização de decorações. Estive para lhe bater com um livro quando ela fez isso, mas tinha saído a correr para a casa de banho fazer a sua rotina de limpeza facial noturna. Encolhi-me nos cobertores, enjoada com o facto de ter de fazer parte daquilo...Nem consegui pegar no meu diário naquela noite...
Tentei ignorá-la hoje, mas ela puxou-me pelo braço e levou-me, à força, para o ginásio, o local onde seria a festa.
-Boa sorte, Gracy! Tenho a certeza que vais adorar isto!
Virei-me para ela, pronta para lhe responder, mas ela já tinha corrido e fechado a porta do ginásio.
-Ela também te obrigou a estar aqui?
Quando olhei, a Nina também estava ali, com uma caixa cheia de decorações nas mãos e umas grandes olheiras.
-Sim. E pelo que vejo, tu também foste uma das vítimas.
-Em parte, sim.
-O que queres dizer com isso?
-Eu queria participar da equipa, mas, sinceramente, não tinha coragem para me inscrever. Então a Melissa pegou em mim e levou-me até à equipa de organização. Quase vomitei...
-Sei o que é. Mas então, tens alguma ideia do que é para fazer?
-Pediram-nos para pendurar umas teias falsas e umas aranhas, mas... Isto é simplesmente a coisa mais clichê de todas... -Ela disse
-Quanto mais cedo começar-mos, mais cedo saímos daqui.
A Nina concordou comigo e começámos a decorar o ginásio com os outros alunos, que claramente também foram obrigados a estar ali. Quando decidímos fazer uma pausa, a Nina estava sentada com uma das aranhas falsas na mão, ficou a olhar para ela durante um bom tempo.
-O que estás a fazer? -Perguntei
-Isto é horrível.
-É. Também não gosto de aranhas.
-Não é disso que estou a falar. Esta decoração é horrível. Tão básica. Não concordas?
Encolhi os ombros e pousei o queixo nas mãos, inclinada sobre os joelhos.
-Acho que sim.
Ficámos em silêncio até ela continuar.
-Eu recuso-me a fazer parte de algo tão clichê.
-E o que é que vais fazer?
Ela olhou para mim um pouco assustada e hesitante, passou o seu olhar pela sala e disse gaguejante:
-E-eu tenho uma ideia! M-mas temos de ir ao meu quarto primeiro!
-Está bem.
Saímos do ginásio, justificando aos responsáveis primeiro, e fomos para o quarto dela.
Entrámos, o quarto era escuro, tinha as cortinas fechadas de um dos lados e era bem desarrumado, o outro lado era bem normal, mais luminoso e organizado. A Nina foi para o lado mais escuro e começou a procurar no meio de um monte de livros. Olhei em volta, o lado dela tinha o computador em cima da cama, pacotes de Pringles e umas latas de refrigerante, por não falar de um pequeno peluche de coelho deitado na cama.
-Encontrei! -Exclamou com um caderno de capa preta na mão
Abriu-o e mostrou-me várias páginas com vários desenhos diferentes. Uma página tinha desenhos de palhaços, outra no estilo de noiva cadáver, estranho mundo de Jack, cavaleiro sem cabeça. Adoro estes filmes, mas gostei ainda mais dos desenhos. Já sabia que a Nina desenhava bem, mesmo não sendo o meu estilo de traço, são ótimos desenhos.
-Já sei! -Ela exclamou animada. Acho que foi o mais alto que a ouvi falar -Isto é perfeito! -Mostrou-me uma das páginas, e devo admitir, era mesmo a melhor ideia de todas
O que acontece a seguir foi inacreditável. A sério, não sei como é que isto resultou. Nem tive tempo de escrever no diário por dias por causa de toda a correria, mas vou resumir.
A Nina teve a melhor ideia possível para um baile de Halloween. A ideia era: o ginásio estaria decorado no estilo da cidade de Londres no século XIX, onde um criminoso chamado Mack o tripador (tivemos de usar este nome por ordem dos professores) andava à solta pelo baile. Teria várias pistas pelo ginásio, como na mesa da comida, no palco do ginásio, nas próprias pessoas que estariam disfarçadas como personagens do crime (eu, a Melissa, a Nina e mais alguns alunos que se voluntariaram. Fiquei espanta com o número de alunos que quiseram participar, mas até que foi bastante divertido). Tinha várias personagens, como o detetive, que era a Nina, o policial, que era a Melissa, as testemunhas e suspeitos, que eram os outros alunos voluntários, e o Mack tripador, eu. Os alunos teriam de usar as pistas e os depoimentos das testemunhas para adivinhar o culpado dos crimes, que estava misturado no baile como outro aluno (basicamente eu só estava a ir da mesa da comida para me sentar no palco com o meu caderno de desenho. Até que foi divertido estar a ver alguns alunos a fazerem teorias de quem seria o culpado enquanto eu só ficava a comer pipocas vermelhas). Quem adivinhasse o culpado era coroado rei ou rainha do baile. Sim, foi ideia da Melissa. Ela viu em filmes e séries e quis muito colocar isso no plano. No final descobriram que eu era a culpada, fui "presa" pela "polícia" (que não verdade era só levarem-me para os bastidores atrás do palco. Fiquei lá um bocado a falar com a Melissa e com outros voluntários e a comer profiteroles que a Melissa comprou para a equipa.)
O baile continuou normalmente, a Melissa até conseguiu convencer-me a dançar algumas músicas. Toda a equipa do baile tirou uma foto juntos com os disfarces, eu tirei uma com a Melissa e Nina. A Melissa incorporou por completo o papel, a Nina pousou com papéis que fingiam ser provas e relatórios e eu fiquei no centro a comer pipocas vermelhas.
Quando o baile acabou, todos os alunos voltaram para os seus quartos. Nós as três conseguimos convencer um professor a deixar-nos fazer uma festa do pijama no meu quarto e da Melissa. Foi divertido. A Nina contou histórias extremamente assustadoras (a Melissa ficou cheia de medo e pôs uma cadeira na frente da porta do quarto), comemos alguns dos restos de comida que sobraram do baile. Neste momento estou a comer pipocas encostada à beira da cama a escrever no diário enquanto a Melissa e a Nina falam do momento em que a Nina revelou quem era o Mack tripador.
-Tu parecias o Sherlock Holmes misturada com um apresentador de televisão! -Diz a Melissa animada -Estavas tipo "Agora, meus amigos, o culpado de todas as atrocidades cometidas, Mack tripador... Grace Wilson. Pagarás por todos os teus crimes no fundo da cadeia mais podre de toda a Londres e nunca mais verás a luz do dia!"
-Os bastidores não eram assim tão escuros, mas a comida estava boa. Obrigada, Melissa. -Respondi, largando a caneta por m segundo
-Temos mesmo de repetir isto para o ano! -Exclama ela com entusiasmo. Vira-se para a Nina, que ainda se assusta um pouco com a energia dela -Tens mais ideias para festas?
A Nina engole o medo e responde com um sorriso, pegando no seu caderno, que estava bem ao seu lado este tempo todo.
-Tenho imensas! Que tal uma no tema de o cavaleiro sem cabeça em que os alunos têm de adivinhar se o cavaleiro é apenas uma lenda, ou se existe realmente uma pessoa por trás disso?
-E podia ter uma pessoa disfarçada de cavaleiro sem cabeça que ande pela escola a assustar os alunos. -Sugiro
-Genial, Gracy! -Responde a Melissa -Consegues fazer o fato de cavaleiro sem cabeça? Os de hoje estavam incríveis! Senti-me mesmo como uma polícia do século XIX!
Sinto as bochechas aquecerem ligeiramente.
-É bastante simples, mas obrigada.
-Eu sabia que conseguias. Os teus desenhos são mesmo incríveis, tens mesmo jeito para design de roupa. -Diz a Nina -Alguma vez pensaste em fazer isso no futuro?
Paro para pensar um pouco, olho para o meu diário, depois para elas. Adoro desenhar roupa, isso é um facto, mas nunca pensei fazer disso carreira. Sempre pensei que fosse só um passatempo, mas sempre que desenho sinto-me mais leve, como se pudesse desligar do mundo e apenas ficar ali por horas. Aperto a caneta na minha mão, mas a Melissa senta-se ao meu lado e encosta o ombro no meu.
-Eu concordo com a Nina, darias uma ótima designer! Mas se ainda não é algo que que tens a certeza, vai com calma e quando chegar a hora, pensa naquilo que te faz feliz e que te imaginas a trabalhar.
-Obrigada. -Sorrio levemente -Por agora é isso que vou fazer. Mas...Nina! Tu darias uma ótima animadora ou preparadora de eventos. Desenhas muito bem e tens ideias excelentes!
Ela cora e esconde o nervosismo, mas gagueja na mesma.
-É? É! Quer dizer...eu gosto de desenhar, mas é um pouco assustador entrar na área da arte...
-É verdade, mas...A arte move o mundo, move as pessoas e as pessoas movem a arte.
-Isso é bonito, Gracy. -A Menzi encosta a cabeça no meu ombro e fecha os olhos -Estou a morrer de sono...Se me pregarem uma partida enquanto durmo, podem esperar vingança...
-Não te preocupes. -Digo
-Não estavas com medo de dormir por causa do espírito da escola que ataca miúdos durante a noite e coloca as suas almas nos quadro das salas?
-Eu já te disse que ouvi barulhos de giz no quadro durante a noite! -Ela levanta-se bruscamente e aponta-lhe o dedo
Eu e a Nina rimos. A Menzi cora de vergonha e deitasse à minha beira no monte de almofadas que fizemos no chão.
-Mas vá, chega de histórias de terror por favor. Nada de partidas com barulho de giz! -Diz deitada no monte de almofadas
-Não prometo nada. -Responde a Nina, deitando a cabeça numa das almofadas
Sorrio e olho para elas. Estes dias foram muito divertidos, sinto-me mesmo bem e pela primeira vez não sinto a vontade de gritar ou esconder-me nos cobertores. A Melissa dorme ao meu lado, a Nina está adormecida no monte de almofadas.
Mas vá. Sinceramente, estou ansiosa pelos próximos dias com elas e neste escola. Faltam só dois meses para o natal vou ver a minha mãe e contar-lhe de tudo o que aconteceu até agora. Já agora, o meu cabelo está a crescer, antes estava-me um pouco mais abaixo do queixo e agora está-me quase pelos ombros. Não sei se devo cortar, isso assusta-me um bocado, mas acho que chega de terror por hoje.
Vou dormir agora e provavelmente vou ter de impedir a Nina de pregar uma partida à Menzi e ter de lidar com a ela a ter paranóias pela história do quadro fantasma.
Maria, tens muito talento. As tuas palavras têm uma força e sensibilidade únicas. É um prazer ver o teu olhar único sobre o mundo ganhar forma através da escrita. Continua a explorar, a arriscar e a partilhar essa voz tão autêntica que já é só tua.
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